O presente que eu precisava (ou você sabe o que é Txai?)

Mergulhei nos debates de um seminário internacional e o que vi e senti me acendeu uma certeza: é possível uma nova sociedade, a gente só tem que ter mais coragem

O Txai Amazônia aconteceu no espaço eAmazônia, na Universidade Federal do Acre, entre os dias 25 e 28 de junho. Foto: Acervo Pessoal

No dia 26 de junho, fiz aniversário de um jeito diferente. Já fugi de casa na madrugada, já inventei atestados falsos, sempre achei que meu parabéns precisava ser especial. Mas este ano, celebrei trabalhando. Cobri o seminário Txai Amazônia, que reuniu lideranças dos nove estados da Amazônia Legal, além de Bolívia e Peru, para debater caminhos econômicos a partir da floresta em pé. 

A verdade é que eu nem queria comemorar. Tenho andado inquieto, preocupado com o rumo do mundo. O lucro acima da vida, o individualismo como política pública para genocídios e repressão, a negação de direitos e sonhos. Fico me perguntando: existe outro jeito de viver em sociedade?

Foi aí que duas colegas do Comitê Chico Mendes me apresentaram um novo termo: sociobioeconomia. De início, achei só uma junção bonita de palavras: sociedade, biodiversidade e economia. Mas o que significa de verdade?

Comitê Chico Mendes esteve presente no Seminário Internacional Txai Amazônia. Foto: Acervo Pessoal

Na conversa, uma fala me atravessou: sociobioeconomia é pensar a economia com a floresta como protagonista, respeitando não só a biodiversidade, mas as humanidades que nela vivem. Uma nova forma de organizar a vida. A lembrança de Chico Mendes surgiu na minha cabeça: “Eu tenho certeza de que a floresta em pé vale mais do que a derrubada”. Isso acendeu algo em mim. Fui atrás.

Quase que em estado de mania, descobri que o termo tem origens na economia ecológica, com o romeno Nicholas Georgescu-Roegen, na década de 70. Mas existem disputas. Essa primeira visão falada, frequentemente chamada de biotecnológica, prioriza o crescimento econômico e a geração de empregos por meio da inovação. Era, basicamente, explorar, explorar e depois pintar de progresso e desenvolvimento. 

Em contraponto, recentemente e contra estas primeiras variações, temos a bioecológica, em que são expressos no conceito de “Bem Viver” (Buen Vivir), a relação intrínseca entre natureza e pessoas nos ecossistemas locais, além da necessidade de preservar a heterogeneidade biológica e social. Para isso virar realidade, é preciso investimento em tecnologias de base comunitária, fora dos grandes eixos. É preciso ouvir quem cuida da floresta. E é aí que o Comitê Chico Mendes decide apostar nesse novo eixo.

No Txai Amazônia, vivi tudo isso de perto. Foram dias intensos. Senti na pele o esforço de quem insiste em construir pontes entre os saberes da Amazônia e um futuro possível. Vi a força do artesanato em capim dourado do Tocantins, e da arte em borracha nativa da Da Tribu, do Pará. Ouvi o nome de Chico Mendes sendo lembrado com respeito por gente de todos os cantos. 

Chico defendia que “floresta em pé vale mais do que a derrubada”. Foto: Acervo Pessoal

No último dia de trabalho, conversando com um parceiro de trabalho, ele me perguntou: “você sabe o que é Txai?", respondi que era algo como "camarada". Fui atravessado com uma resposta que expandia esse conceito, é sobre reconhecer o outro como parceiro, união, coletividade. Propício, não é?

Para mim, sociobioeconomia não é só um conceito bonito. É uma proposta real de transformação. Que este novo eixo do Comitê sirva como convite para construirmos juntos outra forma de viver, onde a floresta é valorizada, onde os territórios são respeitados, onde o conhecimento tradicional é tratado como ciência, e onde o bem-estar coletivo guia as decisões.

Que essa semente floresça. Que ele pegue nossa sociedade pelos ombros e diga, firme: a Amazônia viva é o nosso maior presente.


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