O que as Reservas Extrativistas nos ensinam sobre Transição Justa
A Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes fica no Acre e tem 970 mil hectares. Foto de Marcio Pimenta/National Geographic
A Transição Justa tem sido um dos temas mais discutidos na agenda climática, tanto no Brasil quanto no cenário internacional. Aliás, mesmo quem não acompanha de perto essas discussões talvez já tenha se deparado com o termo em alguma propaganda na televisão. Parece que estamos vendo surgir o novo “conceito da vez” e, ao mesmo tempo, enfrentamos o desafio de entender o que realmente significa essa tal transição justa.
Por ser um conceito novo e ainda em disputa, ele desperta diferentes interpretações. No meu caso, ao tentar elaborar uma definição a partir de uma perspectiva pessoal, acabei chegando às Reservas Extrativistas e acredito que elas têm muito a nos inspirar sobre o que pode ser, de fato, uma Transição Justa e como ela pode ser implementada na prática.
As Reservas Extrativistas como inspiração prática
As Reservas Extrativistas são resultado de anos de luta, diálogos, negociações e articulações dos povos da floresta. Foi uma política pública formulada pelos próprios povos extrativistas porque o modelo de reforma agrária já existente no Brasil não dava conta das especificidades das comunidades tradicionais, das trabalhadoras e trabalhadores da floresta. Era preciso criar algo novo, inspirado em suas vivências, referências e necessidades.
Assim, foi formulado por esses trabalhadores um modelo de gestão de território que não apenas protege a floresta, mas garante a subsistência, o trabalho e o bem viver das populações tradicionais. Com isso, temos claramente um exemplo de como proteger a floresta, reduzir desigualdades e gerar oportunidades de prosperidade compartilhada.
Um exemplo vivo de justiça climática
Para o Brasil e o mundo, as Reservas Extrativistas podem servir como um dos exemplos mais concretos de Transição Justa. Elas são uma criação das pessoas mais afetadas pelo modelo desenvolvimentista, o mesmo que causou a crise climática, e que também são as que têm a maior compreensão do próprio território, de seus desafios e potencialidades. Além da proteção ambiental, garantem cidadania (ou florestania), direitos e geração de renda, resguardando também a cultura da floresta e conciliando conservação ambiental com redução das desigualdades.
Ruptura como caminho para a justiça
As Reservas Extrativistas também foram uma resposta do movimento dos povos da floresta à ameaça de colonização e exploração predatória da Amazônia. Essa exploração ainda se manifesta de formas convencionais, principalmente nos territórios, mas também de maneira mercadológica, sequestrando termos como sustentabilidade e agora também com “Transição Justa”.
A história de Chico Mendes e das reservas ensina que, para haver transição em prol da justiça, é preciso que haja ruptura. Ruptura com padrões, acordos e sistemas que nos trouxeram até a crise climática. É preciso romper com a estrutura que coloca povos indígenas, comunidades tradicionais e periferias em um lugar performático de “beneficiários”, garantindo-lhes, em vez disso, governança participativa e acesso direto ao financiamento climático.
Diversidade de transições para justiça efetiva
Assim como as reservas tinham as pessoas e o seu contexto no centro, entende-se que é preciso considerar também a diversidade das transições. É necessário reconhecer os diferentes contextos para que haja justiça efetiva. Esses diferentes contextos conduzirão distintas formas de geração de renda justa, redução de impactos e também valorização cultural.
A oportunidade da COP30 e o papel do Brasil
Na estrutura institucional da ONU responsável pelas mudanças climáticas, a UNFCCC (Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), o tema é debatido no Programa de Trabalho para Transição Justa. Durante a COP30, que acontecerá em Belém, negociadores, tomadores de decisão e lideranças globais terão a oportunidade crucial de dar passos concretos rumo à construção de um marco internacional que reconheça e apoie múltiplas formas de transição justa, especialmente aquelas que nascem dos territórios, das comunidades e dos saberes locais.
É possível encurtar a distância entre o local e o global a partir das pessoas dos territórios.Em uma das formações que facilitei pelo Comitê Chico Mendes, ouvi a seguinte declaração de uma jovem moradora da Reserva Extrativista Chico Mendes: “Nosso papel como extrativistas não é servir de plateia; quem tem que ser nossa plateia são eles [tomadores de decisão]”. Ao lembrar dessa fala, entendo que, não deixar ninguém para trás, princípio central da Transição Justa, é garantir autonomia e governança participativa.
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