O que você escreveria para ele? Segunda edição de "Uma Carta para Chico" reconecta juventude de Xapuri ao legado da floresta
Iniciativa amplia alcance para novas escolas e convida estudantes a dialogarem com a própria história
Maria Izabella Magalhães Miranda e Davi Araújo Alves foram vencedores da primeira edição. Foto: Hannah Lydia
Em Xapuri, a memória não é apenas algo guardado em museus; é uma ferramenta viva de luta e transformação. Dando continuidade ao trabalho de semear a consciência socioambiental nas novas gerações, o Comitê Chico Mendes, em parceria com o Instituto Federal do Acre (Ifac), lança a segunda edição do concurso "Uma Carta para Chico". Mais do que uma competição literária, o projeto é um convite para que a juventude acriana olhe para o passado para ressignificar o futuro.
A iniciativa nasceu da necessidade urgente de manter vivo o diálogo entre os jovens e a figura histórica de Chico Mendes, muitas vezes distorcida por discursos que tentam apagar a importância de sua luta.
A gênese de um diálogo necessário
O concurso teve sua origem em 2024, fruto de uma construção coletiva entre educadores e ativistas. Anselmo Gonçalves da Silva, professor do Ifac Xapuri e um dos idealizadores do projeto, relembra como a ideia surgiu de forma espontânea durante o planejamento das Semanas Chico Mendes.
"O concurso surgiu no ano passado, numa reunião em que todo mundo dava suas ideias sobre o que a gente podia fazer entre o Ifac e o Comitê. E uma professora, a Tânia, disse assim: 'a gente pode fazer um concurso, jovens escreverem'. Todo mundo deu suas sugestões e se construiu uma primeira edição", conta Anselmo.
O resultado da estreia foi marcante. Segundo o professor, o processo "foi muito simbólico, muito especial". Embora a primeira edição tenha sido focada nos alunos do Instituto Federal, a semente foi plantada, revelando o potencial transformador de colocar o jovem como protagonista dessa narrativa.
Estudantes de Xapuri participam de atividades preparatórias para o concurso, debatendo o impacto de Chico Mendes na conservação da Amazônia. Foto: Hannah Lydia
Expandindo fronteiras e combatendo o esquecimento
Para esta segunda edição, o objetivo é romper os muros do Ifac e abraçar a comunidade escolar de forma mais ampla. A proposta é levar a reflexão para dentro das salas de aula da rede pública, alcançando estudantes que, muitas vezes, desconhecem a profundidade da história que pisam.
"Nessa segunda edição a gente está tentando incluir outras escolas", explica Anselmo. Ele destaca a adesão da Escola Divina Providência, que já integrou sete turmas regulares e turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) ao projeto.
A expansão é estratégica e pedagógica. O concurso visa combater a desinformação e apresentar às novas gerações o "Chico real", o líder sindical e ambientalista que o mundo admira, mas que localmente, por vezes, sofre ataques de narrativas revisionistas.
Anselmo é enfático ao descrever essa missão:
"Pensando que o sentido do concurso se relaciona com a conexão das novas gerações de moradores de Xapuri com a pessoa do Chico. Os jovens vão tendo contato com um Chico que eles não têm... porque não é o Chico, às vezes, das narrativas que buscam construir uma imagem negativada da pessoa."
Vivência e pertencimento
Para inspirar as cartas, o projeto não se limita à teoria. São realizadas vivências, exibições de vídeos e visitas a locais históricos, proporcionando encontros emocionantes com quem conviveu com o líder seringueiro. O professor relata, por exemplo, o impacto de uma visita onde os alunos puderam ouvir histórias diretamente de "Garrinha", companheiro de luta de Chico.
É nesse contexto de imersão que surge a provocação central do concurso:
"É uma oportunidade que a gente tem de entrar numa sala de aula e perguntar pras pessoas o que ninguém perguntaria: o que você escreveria para o Chico se pudesse?", reflete Anselmo.
Ao responder a essa pergunta, o estudante não está apenas redigindo um texto; ele está se posicionando na história.
"Essa segunda edição se expande nessa perspectiva de conexão das pessoas e os jovens com a sua própria história e a sua própria história numa perspectiva de continuar, uma história de melhorar o mundo", conclui o professor.
O concurso "Uma Carta para Chico" reafirma o compromisso do Comitê em garantir que o legado de Chico Mendes continue ecoando, não apenas como uma lembrança, mas como um chamado à ação para aqueles que herdarão a responsabilidade de manter a floresta em pé.
Sobre o Comitê Chico Mendes:
Criado em 1988 por militantes, familiares e organizações da sociedade civil na noite do assassinato do líder seringueiro e sindicalista Chico Mendes, o Comitê Chico Mendes surgiu como guardião de seus ideais e legado. Até 2021, atuou como um movimento social, promovendo a Semana Chico Mendes e o Festival Jovens do Futuro.
Diante do desmonte da Política Nacional de Meio Ambiente, que afetou violentamente os territórios e suas populações, especialmente as Reservas Extrativistas, decidiu dar um passo estratégico para fortalecer sua atuação em prol do bem-estar social, ambiental, cultural e econômico das comunidades tradicionais.
Em maio de 2021, após um amplo processo de escuta e diálogo entre membros e parceiros, optou-se pela institucionalização do Comitê Chico Mendes. A decisão representou um marco na trajetória da organização, permitindo a implementação de projetos estruturados sem abrir mão da essência de resistência, expressa nas Semanas Chico Mendes, realizadas desde 1989, e no Festival Jovens do Futuro, promovido a partir de 2020.