Em caminhada solene ao túmulo de Chico Mendes, companheiros de luta dizem que assassinos "erraram o alvo" e o imortalizaram

Companheiros históricos e novas gerações percorrem o trajeto da casa ao túmulo, transformando a saudade em ato político

Multidão percorre as ruas de Xapuri relembrando o trajeto de Chico Mendes, unindo a velha guarda do movimento e a juventude ativista. Alexandre Noronha/Comitê Chico Mendes

No segundo dia da Semana Chico Mendes, nesta terça-feira (16), a tradicional caminhada solene que parte da casa onde o líder seringueiro viveu (e morreu) até o local de seu repouso final foi uma navegação na consciência política de quem entende que a floresta em pé depende de gente de pé.

Diante da singela casa de madeira, palco de um dos episódios mais tristes e transformadores da história socioambiental global, o advogado e companheiro de luta de Chico, Gomercindo Rodrigues, lembrou aos presentes, muitos vindos de longe para conhecer essa história de perto, sobre a simplicidade e o sacrifício que ergueram aquele lar.

“Como vocês podem ver, esta é a casa do Chico. Não foi sem sacrifício que ele conseguiu pagá-la em prestações com ajuda das pessoas e amigos de fora”, explicou Gomercindo, detalhando a arquitetura típica de um seringueiro tradicional, com a sala fechada e o corredor para a cozinha. Ele rememorou que, mesmo sob ameaça e dificuldades financeiras, Chico priorizava a luta coletiva:

“Uma das prestações que mandaram para ele, como o sindicato estava com o telefone cortado e as coisas, pagou as contas do sindicato, não pagou a prestação”.

Gomercindo Rodrigues, companheiro fiel de Chico, reconta a história política das Reservas Extrativistas e a imortalidade do legado do líder seringueiro. Foto: Alexandre Noronha

A sensibilidade que virou semente

Raimundão, primo e companheiro de batalhas de Chico, com a autoridade de quem carrega o mesmo sangue e a mesma teimosia em defender a Amazônia, emocionou a juventude presente ao destacar o que fazia de Chico um ser único.

“O Chico, ele já nasceu diferente, eu posso assim dizer, de tantos e tantos outros seringueiros, não fisicamente, mas mentalmente de uma sensibilidade extraordinária”, afirmou Raimundão. 

Olhando nos olhos da nova geração de ativistas, ele fez um apelo apaixonado: 

“Eu quero, meus jovens, minhas jovens, cidadãos e cidadãs que aqui estão presentes: não meçam distância e sacrifício para continuar levando a mensagem de amor, a mensagem de união, a mensagem de partilha”.

Raimundão reforçou que o legado de Chico não é uma peça de museu, mas uma ferramenta viva para a dignidade dos trabalhadores do campo e da cidade. 

Raimundão convoca a juventude a não medir esforços pela luta socioambiental. Foto: Alexandre Noronha

“É de fundamental importância que vocês continuem semeando essa semente que esse caboclo semeou aqui no seu torrão e que, depois do seu bárbaro e covarde assassinato, ela se olhou de mundo afora”.

"Tem gente na floresta"

Antes do trajeto, Gomercindo resgatou o contexto político que transformou a luta dos seringueiros em uma pauta global. Ele relembrou o histórico encontro em Brasília, onde 121 seringueiros viajaram para quebrar a narrativa da ditadura militar de que a Amazônia era um "vazio demográfico".

“A ideia quando o Chico convocou esse encontro em Brasília foi para dizer assim: 'Tem gente na floresta'”, contou Gomercindo.

Foi ali que nasceu a aliança improvável, mas vital, entre extrativistas e ambientalistas, dando origem ao conceito das Reservas Extrativistas.

“O Chico passou a dizer: espera, nós vivemos na floresta há mais de 100 anos e não destruímos... Então, esse é um modelo diferente”.

Apesar da celebração da memória, o tom da caminhada também foi de denúncia. Raimundão alertou que as forças que mataram Chico se metamorfosearam e ocupam, hoje, espaços de poder institucional.

“A direita fascista, o latifúndio atrasado, o capitalismo selvagem, continua atuando para querer desmoralizar o legado que Chico deixou junto com seus companheiros. E ele não está só lá dentro da sua fazenda... Ele tá no parlamento. Ele tá na Assembleia Legislativa do Estado do Acre. Ele tá na Câmara dos Municípios”, denunciou o líder seringueiro, cobrando também do Instituto Chico Mendes (ICMBio) uma fiscalização mais rigorosa na RESEX.

O tiro que errou

Gomercindo Rodrigues, que vivenciou os últimos dias de tensão ao lado de Chico em 1988, relatou os detalhes do crime, a tocaia dos pistoleiros e a reconstituição do assassinato. Mas sua conclusão, dita com a força de quem viu a história ser escrita, ressignificou a morte do amigo.

Angela e Angélica Mendes, ao lado de Raimundão e Sâmila Martins, segurando bandeiras do Comitê Chico Mendes. Foto: Alexandre Noronha

“Eu sempre deixo a mensagem para aqueles que já ouviram, ouvirem isso sempre, porque é uma forma de passar para frente... Ele não tá morto. Se ele tivesse morto, nós não estaríamos aqui hoje, 37 anos depois, falando do seu legado”, declarou Gomercindo, encerrando com uma verdade que pairou sobre Xapuri:

“Aqueles que atiraram no Chico, erraram o alvo, perderam o tiro. Aqueles que pensam que o mataram, na verdade, tornaram-no imortal.”

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