Sindicato de Trabalhadores de Brasileia celebra 50 anos de "suor, lágrimas e sangue"
Em meio à Semana Chico Mendes 2025, fundadores e herdeiros da luta sindical no Acre rememoram a criação do STTR de Brasileia
Encontro reuniu memórias e discursos sobre o futuro da luta sindicalista do Acre. Foto: Alexandre Noronha
O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Brasileia (STTR) celebrou, em 2025, meio século de existência reafirmando seu papel histórico na organização sindical, na defesa dos direitos dos povos da floresta e na construção das lutas socioambientais no Acre, neste último domingo (21).
A programação integrou a Semana Chico Mendes 2025 e reuniu fundadores, lideranças históricas, jovens, mulheres e parceiros que ajudaram a construir uma trajetória marcada por resistência, solidariedade e compromisso coletivo.
Para Francisca Bezerra, atual presidente do STTR, a prioridade da comemoração foi humanizar a luta, reconhecendo que o tempo cobra seu preço sobre os corpos que defenderam a Amazônia.
Angélica Mendes esteve representando o Comitê Chico Mendes no evento. Foto: Alexandre Noronha
"É um dia de tanta alegria que a gente até esquece", iniciou Francisca, destacando o esforço para localizar os pioneiros. "Essa data de hoje, ela é especial para quem está aqui e para quem não está também. A gente não podia deixar essa data passar em branco."
Francisca ressaltou a urgência de homenagear os fundadores ainda em vida, citando a fragilidade de saúde de ícones presentes. Ela também fez questão de tirar da invisibilidade o trabalho das mulheres que sustentam a base da organização atual:
"E eu quero fazer uma homenagem aqui especial a toda a equipe do sindicato... Nós temos a Sónia aqui, nós temos a Ana Márcia, temos a Ana Lima, temos a Nega. Eu estou falando isso porque a gente já agradeceu a diretoria, mas essas mulheres, elas trabalharam incansavelmente. Essa semana, elas não fizeram folga para nada para poder dar o melhor que a gente tinha aqui neste momento."
A programação começou com um discurso lido por Laiane Santos, justamente, refletindo sobre como a história se inverteu e, hoje, temos mulheres em diversos cargos de lideranças na luta sindicalista no Estado.
Brasileia foi palco de reflexões sobre toda a história sindicalista dos seringueiros e trabalhadores. Foto: Alexandre Noronha
O verdadeiro berço da resistência
Se Francisca cuidou do presente, coube a Julio Barbosa, liderança histórica e presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), fazer a correção política e geográfica sobre a origem do movimento. Ele reivindicou para Brasileia o protagonismo muitas vezes atribuído apenas à vizinha Xapuri.
"Mas quando eu vejo falarem que Xapuri é o berço da única resistência, a gente esquece de falar que o berço da luta só começou porque aqui em Brasileia foi o ponto de referência de início de toda essa resistência", afirmou Julio. "Foi aqui que chamou isso, mas foi muito mais além, porque tomou de conta de tudo. Então hoje aqui, nós estamos num momento muito importante."
Julio resgatou a figura emblemática de Wilson Pinheiro, assassinado em 1980, e sua metodologia peculiar de formação política, ou "luta de classe", que ia muito além das relações de amizade:
"Na época, [Wilson] era até funcionário da funerária, andava com a bolsa da funerária... aquela bomba de passar veneno, e fazendo reunião do sindicato. Um monte de papel na mesa, jornais, discurso de Fidel Castro, discurso das revoluções que aconteceram pelo mundo. E muitas vezes obrigava a gente a ficar... demorava duas horas. É dentro do sindicato que a gente começa de fato a tomar consciência do que representa a luta de classe."
Essa consciência, segundo Julio, se renova hoje na busca por verbas públicas esquecidas, onde o sindicato trabalha para garantir direitos a populações invisibilizadas:
"Lá mora seringueiro, lá mora pescador, lá mora coletor de açaí, lá mora coletor de óleo de copaíba, que vive numa total invisibilidade. E nós estamos identificando agora... A luta pela terra é uma luta constante. Se você olhar o Velho Testamento, no livro de Gênesis... há milhões de anos atrás, já existia a luta pela terra. Os povos daquela época já brigavam por um pedaço de terra."
O sindicato como refúgio e a trincheira atual
A memória da violência no campo foi trazida com crueza por Raimundão, primo de Chico Mendes. Ele lembrou que o prédio do sindicato não era apenas um escritório, mas um bunker de proteção contra a pistolagem.
Troféus foram entregues durante a agenda para nomes importantes na história do STTR. Foto: Alexandre Noronha
"Esse sindicato de Brasileia, ele não só foi o instrumento pela liberdade e para a cidadania dos brasileiros... mas também foi a entidade, através da sua sede, lugar de agasalhar pessoas que eram ameaçadas", relatou Raimundão.
Ele aproveitou o momento para lançar um alerta duro sobre o cenário político atual e o desvirtuamento de algumas lideranças e associações que, segundo ele, traem o legado original:
"Infelizmente, nem todos os sindicatos hoje aqui no estado do Acre estão cumprindo essa missão... Está na hora de substituir, é tempo de se organizar. Pessoas que não têm nada a ver com a luta do movimento sindical... na tentativa de fazer os votos de políticos inescrupulosos, que infelizmente o Acre está contaminado, para fazer maiores invasões e maiores depredações dentro da reserva. É a terra conquistada por suor, lágrimas, sangue e cadáver, e nós não podemos admitir isso."
Francisca Bezerra, presidente do STTR, e Angélica Mendes. Foto: Alexandre Noronha
O elo entre gerações
Fechando o arco histórico, Angélica Mendes, neta de Chico Mendes, falou sobre a responsabilidade de carregar esse sobrenome e a conexão entre o passado e o futuro.
"Eu sou filha da Angela... e sinto muito orgulho, muito feliz de celebrar junto ao sindicato", disse ela. "Eu estava fazendo as contas aqui também... Apenas 13 anos depois desse sindicato fundado, ele [Chico Mendes] foi morto.. E esse baque tão grande também... tanta luta que foi para conseguir que os direitos dos trabalhadores da floresta fossem garantidos."
Para Angélica, o sindicato continua sendo um "norte", especialmente na pauta de gênero, e a força para enfrentar a atual "situação política horrível" vem justamente da união entre a juventude e a sabedoria dos mais velhos.
"O sindicato que está olhando para as mulheres... é o nosso mesmo parceiro, quem nos dá aquele norte", afirmou. "Quando a gente está celebrando o aniversário... quando a gente está trazendo um olhar para a história do meu avô durante a Semana Chico Mendes, são essas pequenas coisas que ajudam a dar mentalidade para as pessoas, para que elas leiam o livro e levem [a luta]... A gente não precisa nem da energia dos mais jovens. A gente precisa da energia dos mais velhos... que sempre fizeram tudo pela gente."