Na Semana Chico Mendes, feirinha da sociobiodiversidade reafirma a floresta em pé como projeto econômico e político
Com produtos da floresta e histórias de resistência, em Xapuri propõe caminhos possíveis para uma economia amazônica de base comunitária
Feira é um dos espaços de sociobioeconomia presentes na Semana Chico Mendes. Foto: Alexandre Noronha
Por Hellen Lirtêz
A Semana Chico Mendes começou no dia 15 de dezembro, data em que o ambientalista completaria 81 anos, com uma ocupação simbólica do espaço público em Rio Branco. Em frente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, o Comitê Chico Mendes reuniu artesãos, cooperativas e produtores da floresta para a feirinha da sociobiodiversidade, iniciativa que materializa, na prática, o projeto defendido por Chico Mendes: a floresta em pé como base de trabalho, renda e dignidade para os povos amazônicos.
Logo no primeiro dia, bancas expostas ao ar livre apresentavam produtos que carregam história, memória e resistência: látex transformado em arte, castanha-do-brasil, mel, óleos medicinais, frutas e outros derivados do extrativismo. Mais do que uma feira, o espaço se tornou um ponto de encontro entre quem produz na floresta e quem chega ao Acre para conhecer a realidade desses territórios.
Entre os expositores estava José Rodrigues de Araújo, o Doutor da Borracha, filho e neto de seringueiros, que começou a cortar seringa ainda criança. Seu trabalho transforma o látex em sapatos, pulseiras, cordões e acessórios, unindo técnica tradicional, inovação e criação artística.
“Eu queria encontrar um produto pra viver da floresta em pé. A borracha foi o caminho”, resume.
Produtos são fruto do território e representa oportunidade de lucro. Foto: Alexandre Noronha
A feirinha também evidenciou a força da organização coletiva. Representando a Cooperativa de Xapuri, Paulo Sérgio Pimentel, sócio fundador da iniciativa, destacou a importância do espaço para dar visibilidade aos produtos da sociobiodiversidade e fortalecer a renda dos cooperados.
“Estamos aqui hoje na Semana Chico Mendes expondo os nossos produtos, que são produtos da nossa cooperativa”, afirmou.
Entre eles, castanha-do-brasil, mel de abelha, copaíba, óleo de andiroba e outros itens diretamente ligados ao modo de vida extrativista.
“Esse momento é muito importante porque as pessoas que estão visitando o município podem conhecer a realidade do que a gente trabalha hoje.”
Segundo Paulo Sérgio, a cooperativa atua para garantir que o extrativismo seja não apenas ambientalmente sustentável, mas também viável economicamente para as famílias.
“São os produtos da sociobiodiversidade que ajudam os nossos cooperados no dia a dia”, explicou.
Feirinha esteve presente em todos os dias de programação em Xapuri. Foto: Alexandre Noronha
Atualmente, os principais produtos da Cooperativa de Xapuri são a castanha-do-brasil e a borracha — dois símbolos históricos da economia amazônica e da luta de Chico Mendes.
“Também trabalhamos com café e com frutas frescas, mas o carro-chefe hoje é a castanha”, destacou.
A presença da cooperativa na feirinha reforça a dimensão coletiva do legado do ambientalista. Se histórias individuais revelam a potência da criatividade na floresta, a atuação das cooperativas mostra que a floresta em pé depende de organização social, políticas públicas e mercados justos.
Para o coordenador de projetos da Aliança da Sociobioeconomia das Amazônias, que integra o Comitê Chico Mendes, espaços como a feirinha cumprem um papel estratégico ao fortalecer a geração de renda dentro dos próprios territórios.
“Esses espaços são fundamentais porque criam um movimento de circulação dos produtos que vêm da floresta e garantem renda para quem vive dentro do território”, afirma. “Isso contribui não só para a renda das famílias que vendem, mas também para que as pessoas que visitam conheçam esses produtos e saiam um pouco dessa lógica do supermercado e dos ultraprocessados.”
Segundo ele, a sociobioeconomia está diretamente ligada à qualidade de vida e à soberania alimentar.
Biojoias são destaques na feira. Foto: Alexandre Noronha
“O mais importante é pensar na qualidade alimentar e na qualidade de vida que esses produtos proporcionam. Quando fazemos esse recorte da soberania alimentar, falando dos produtos da sociobiodiversidade voltados à alimentação, estamos falando também de saúde e autonomia.”
O coordenador destaca que essa lógica se estende para além dos alimentos.
“Quando a gente pensa em artesanato, em artefatos de madeira, a gente pensa também em criatividade e inovação, em acessórios e materiais que fortalecem as comunidades sem agredir, principalmente, as nossas florestas.”
A feirinha, segundo ele, se afirma ainda como contraponto político ao atual modelo de desenvolvimento defendido no Acre. “A gente vive hoje no estado um processo de avanço do desmatamento, em que o governo constrói uma narrativa de que, para se desenvolver, é preciso abrir estradas e ser 100% a favor do agro”, critica.
“Nesse contexto, criar esses espaços não é só promover diálogo, mas interação. É mostrar que existem alternativas. É um respiro para que a gente possa aperfeiçoar o nosso trabalho, melhorar os nossos produtos e olhar com mais carinho para aquilo que a gente consome”, completa. “Porque o nosso consumo também está diretamente ligado à proteção das florestas.”
Em um contexto de avanço do desmatamento, da pecuária extensiva e da pressão sobre territórios tradicionais, o evento se afirma como contraponto concreto aos modelos predatórios de desenvolvimento. Na Semana Chico Mendes, cada produto exposto carrega mais do que valor comercial. Carrega o esforço cotidiano de famílias que insistem em permanecer na floresta, transformando conhecimento ancestral em trabalho, renda e futuro.