Comitê Chico Mendes anuncia novo eixo de atuação voltado para sociobioeconomia, após encontros nacionais
No encontro do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade, em Brasília, o Comitê Chico Mendes anuncia um novo eixo de atuação voltado à sociobiodiversidade
Comitê fez parte de importantes encontros voltado para sociobioeconomia no mês de junho. Foto: João Pedro/WWF-Brasil
O Comitê Chico Mendes participou de dois encontros: o encerramento do Projeto de Proteção dos Povos Indígenas e Tradicionais no Brasil (Bengo), em Alter do Chão, no Pará, e o Encontro do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade, em Brasília, ao longo do mês de junho. O evento no Distrito Federal reuniu 42 organizações de diversas regiões do país, com o propósito de fortalecer alianças e estratégias em defesa da sociobiodiversidade e da floresta em pé. Ana Luiza de Lima, coordenadora-geral do Comitê Chico Mendes, resume o espírito:
“Quando a gente consegue unir e potencializar as nossas forças, entendendo as nossas habilidades e expertises, é mais fácil construir algo coletivo", deixa claro.
Representando o Comitê ao lado de Henrique Almeida, designer e diretor criativo, Lima celebrou o momento como um marco de transição para uma nova etapa da organização: a estruturação de um novo eixo de atuação da organização voltado para sociobioeconomia.
42 organizações fizeram parte do encontro em Brasília. Foto: João Pedro/WWF-Brasil
“A gente está estruturando esse novo eixo de atuação dentro do Comitê. Esse encontro em Brasília foi muito importante para a gente começar a se posicionar nesse campo, que tem tudo a ver com o legado do Chico e com as lutas que a gente já vem acumulando nos territórios", afirma.
Construções coletivas
Dias antes de Brasília, Ana Luiza esteve em Alter do Chão, no encerramento do projeto Bengo. Quem também acompanhou a programação, foi a jovem liderança Samsara Nukini, representante da Aliança das Amazônias. Ela destaca que o processo de construção da campanha foi, acima de tudo, uma experiência de aprendizado enraizada no território.
“Aprendi muito antes da finalização do projeto. Aprendi na construção da Aliança, que ela traz para dentro do território, fazendo apresentações nas escolas do meu povo na aldeia Haka, na aldeia Panã”, compartilha Samsara.
Uma sociobioeconomia efetiva é feita de forma coletiva. Foto: João Pedro/WWF-Brasil
Na perspectiva de ampliar ainda mais a articulação entre os povos da Amazônia, Ana Laura Gomes, da Kanindé, destacou a importância de fortalecer redes que já existem há décadas em defesa dos direitos indígenas e da floresta, especialmente em Rondônia.
“Também quero ampliar a atuação conjunta da Aliança com o Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, que vem se consolidando como uma força política, cultural e de comunicação dos jovens indígenas no estado, articulando pautas urgentes como a demarcação de territórios, educação, enfrentamento ao racismo e a valorização dos saberes ancestrais", reforça.
Para Ana Laura, a Aliança das Amazônias deve ser um espaço de articulação intercultural e internacional, que una as vozes dos povos das periferias, jovens, mulheres e todos que resistem na floresta, conectando o local ao global na luta por justiça climática.
“É um projeto de proteção territorial para povos indígenas e comunidades tradicionais. Cada organização atuou em um eixo, e o Comitê Chico Mendes esteve mais presente no eixo 4, que era o de mitigação dos impactos do garimpo”, detalhou Ana Luiza.
Atuação por um novo modelo de sociedade
A iniciativa foi estruturado em quatro grandes eixos de atuação, desenhados para responder aos desafios diversos enfrentados pelas comunidades da Amazônia. O primeiro eixo tratou do monitoramento territorial, com foco na vigilância e proteção das áreas tradicionais diante de ameaças como grilagem e desmatamento, eixo em que atuaram organizações como a Comissão Pró-Indígenas do Acre (CPI-Acre).
O segundo eixo trabalhou a relação entre raça e biodiversidade, reconhecendo que a preservação da floresta está diretamente ligada à justiça racial e à valorização dos saberes de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. O terceiro eixo foi dedicado à mitigação dos impactos do garimpo promovendo estudos e diagnósticos que fortalecessem a base técnica das ações. Já o quarto eixo, do engajamento, teve como missão mobilizar lideranças comunitárias e juventudes, e foi onde o Comitê Chico Mendes teve maior protagonismo.
“O nosso papel foi articular e dar forma à Aliança das Amazônias, ouvindo os jovens dos territórios e transformando suas lutas em uma campanha coletiva de alcance regional”, reforçou Ana.
Olhar para o futuro
Representando o povo Kumaruara, o jovem Walter compartilhou a emoção de retornar ao território com uma mensagem clara:
“Avaliamos juntos e reconhecemos a importância dessa articulação para fortalecer nossas vitórias e também as juventudes. E agora é pensar os próximos passos, entender como é que vamos seguir trabalhando a partir daqui", reflete Kumaruara.
No encontro de encerramento do Bengo, além de prestar contas e alinhar ações pendentes, o Comitê contribuiu com a formulação de futuros possíveis. Para Samsara, o encontro em Alter do Chão teve um significado marcante:
“Se eu fosse falar em uma só palavra o que esse encontro significou para mim, seria aprendizado. Mas também escuta, valorização, que foi muito forte, e persistência, continuar.”
Para Lima, o encontro de Alter do Chão não foi apenas de encerramento, mas também de reorganização.
“Agora é hora de começar a encaminhar os próximos passos, um futuro sonhado. Ainda não tem o caminho, mas a gente já tem direção. A ideia é fortalecer a governança da Aliança das Amazônias e manter essa articulação viva", diz a coordenadora-geral.
Reuniões para entender como estruturar esta frente de atuação foram realizadas. Foto: Henrique de Almeida/Comitê Chico Mendes
Fortalecer o que já existe e abrir novos caminhos
Em Brasília, o reencontro com tantas organizações com histórias e práticas diversas acendeu o desejo de aprofundar parcerias. Ana Luiza também vê o momento como uma virada estratégica para o Comitê:
“A gente já atua com sociobiodiversidade há muito tempo, mas agora estamos estruturando isso como um eixo mesmo, com nome, com planejamento. Isso fortalece o que a gente já faz e abre novos caminhos", explica.
A conexão entre os dois encontros, Alter do Chão e Brasília, se expressa na prática: territórios organizados, juventudes mobilizadas, redes em expansão e políticas sendo construídas de baixo para cima.
“A entrega desse projeto mostra que é possível fazer ações coordenadas em muitas áreas da Amazônia. E que, quando a gente soma forças, a floresta ganha", ressalta.
“Esse encontro em Brasília foi muito importante para a gente começar a se posicionar nesse campo, que tem tudo a ver com o legado do Chico. Foto: João Pedro/WWF-Brasil
Legado em movimento
A atuação do Comitê Chico Mendes nesses espaços reforça a continuidade do legado deixado por Chico, um legado que insiste em afirmar que a floresta vale mais em pé, que derrubada, segundo os entrevistados e o próprio líder seingueiro que dá nome ao Comitê.
Para Walter Kumaruara, essas alianças construídas são mais do que uma articulação entre organizações: é uma retomada dos vínculos ancestrais.
“Essa aliança reforça vínculos que foram construídos lá atrás, pelas lideranças da Tapajós. A gente tem como referência Chico Mendes, o próprio parente que esteve à frente dessa construção, buscando fortalecer as identidades dos territórios e a luta em defesa da floresta", disse.
Carta ao Jovem do Futuro sempre presente. Foto: Ana Luiza de Lima/Comitê Chico Mendes
Sobre o Comitê Chico Mendes:
Criado em 1988 por militantes, familiares e organizações da sociedade civil na noite do assassinato do líder seringueiro e sindicalista Chico Mendes, o Comitê Chico Mendes surgiu como guardião de seus ideais e legado. Até 2021, atuou como um movimento social, promovendo a Semana Chico Mendes e o Festival Jovens do Futuro.
Diante do desmonte da Política Nacional de Meio Ambiente, que afetou violentamente os territórios e suas populações, especialmente as Reservas Extrativistas, decidiu dar um passo estratégico para fortalecer sua atuação em prol do bem-estar social, ambiental, cultural e econômico das comunidades tradicionais.
Em maio de 2021, após um amplo processo de escuta e diálogo entre membros e parceiros, optou-se pela institucionalização do Comitê Chico Mendes. A decisão representou um marco na trajetória da organização, permitindo a implementação de projetos estruturados sem abrir mão da essência de resistência, expressa nas Semanas Chico Mendes, realizadas desde 1989, e no Festival Jovens do Futuro, promovido a partir de 2020.