Trilha na Resex é destaque na Semana Chico Mendes e atrai turistas de todo o Brasil

Cobertura do momento foi realizada pela Rede de Comunicadores Indígenas do Acre

Grupo que participou do primeiro dia de Trilha. Foto: Reprodução

A imersão na Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, realizada nos dias 17 e 18 de dezembro como parte da Semana Chico Mendes 2025, transformou-se em um ato político de reafirmação territorial. Sob forte chuva e enfrentando as dificuldades de acesso impostas pelo inverno amazônico, a delegação composta pela Rede de Comunicadores Indígenas do Acre (RCIA) e participantes do encontro adentrou a unidade de conservação em Xapuri. 

O deslocamento físico para o interior dos mais de 970 mil hectares de floresta serviu para confrontar o discurso diplomático da COP30 com a realidade da luta socioambiental, unindo o legado de resistência contra o desmatamento às novas estratégias de comunicação e defesa da Amazônia.

O jovem comunicador Ximery Apurinã observou a dinâmica da estrada, descrevendo o cenário que separa o discurso político da realidade amazônica:

"Eu acho que o melhor dia que a gente viveu lá foi o dia que a gente foi dormir na Resex. Foi um dia que a gente viajou várias horas de sol. E naquele dia choveu, dei uma olhada na estrada, as caminhonetes ia deslizando, né? Onde tinha aquele lugar que tinha mais um pouco de lama.”

Segundo dia de trilha contou com cobertura da Rede Amazônica. Foto: Reprodução

A imersão de 7 km pela Trilha Chico Mendes, realizada durante a semana que rememora o nascimento e o assassinato do líder sindical, funcionou como uma aula de história a céu aberto. 

O território, hoje pressionado pelo avanço ilegal da pecuária e ostentando índices preocupantes de desmatamento, exigiu dos participantes uma leitura que vai além da contemplação. A ansiedade da chegada logo deu lugar a uma compreensão mais profunda ao pisar no chão onde a resistência foi forjada.

A presença da RCIA na imersão de 7 km pela Trilha Chico Mendes representa a consolidação de um projeto político iniciado em 2021, a partir de formações da Comissão Pró-Indígena do Acre (CPI-Acre), que visa instrumentalizar a juventude para "demarcar as telas" e as redes sociais. 

A rede, que funciona como um coletivo de comunicadores de diversos povos, entende a tecnologia não como fim, mas como uma extensão da flecha e do arco na defesa do território. A ansiedade da chegada logo deu lugar a uma compreensão mais profunda ao pisar no chão onde a resistência foi forjada.

Para a comunicadora Rari Shanenawa, a experiência física do lugar foi fundamental para conectar as pontas soltas da história:

"Eu creio que entrar na casa do Chico... Entrar em uma casa que guarda memórias e histórias, foi algo bem marcante pra mim. A visão, pra mim foi realmente marcante, porque tudo que vivi em Xapuri, foi tocante, mergulhar mais ainda nessa história, ter outra visão, porque era realmente ver todas as histórias que contam sobre os seringueiros".

A pedagogia da floresta

O silêncio da mata, interrompido apenas pelos passos no barro e pela chuva, compôs a atmosfera de respeito exigida pelo território. A comunicadora da rede Navlis Astrais, descreveu a experiência como um retorno a um lugar de pertencimento, contrastando com a rotina urbana da profissão:

Samaúma é destaque na trilha e participantes param para registrar o momento: Foto: Raimundão

"Para mim o melhor momento que eu vivi lá, sem dúvida, foi a ida na Resex. Acho que marcou minha trajetória na comunicação porque é muita das vezes quando a gente trabalha na comunicação a gente trabalha na cidade. A gente tem que estar nos outros municípios, nas cidades e a comunicação indígena ela te traz a oportunidade de trabalhar na floresta. Eu me senti em casa, me senti confortável porque eu gosto de estar perto da floresta, no meio da mata... a mãe natureza chama forte".

O destaque dessa marcha foi o encontro com Raimundo Mendes de Barros, o seu Raimundão. Primo de Chico e sobrevivente de uma geração que enfrentou jagunços com o próprio corpo em defesa das colocações, o ancião de 80 anos tornou-se a encarnação da memória viva dos empates. 

Sentados ao seu redor, sob a proteção de sua casa na floresta, os jovens da RCIA exercitam uma contra-narrativa à velocidade das redes sociais. Navlis destacou a importância fundamental de desacelerar para absorver a sabedoria de quem viu a floresta valer menos que o pasto e, ainda assim, resistiu:

"E também a oportunidade de ouvir de perto o seu Raimundão falando, todo mundo ali sentado ao redor dele e ele falando as coisas da memória dele e respeitando o tempo de fala dele, o tempo de raciocínio dele. Eu acho isso muito importante, porque às vezes na comunicação a gente tem pressa. E lá a gente não teve pressa, eu acho que isso foi muito importante, cada um no seu tempo, no seu entendimento, na sua própria conexão".

Para Unhepa Nukini, liderança da comunicação indígena, ver Raimundão ao lado de Angela e Angélica Mendes defendendo o mesmo ideal décadas após o assassinato de Chico foi o momento definidor da semana. Ele projetou no ancião o seu próprio futuro de luta:

"Quero ser igual ao seu Raimundão... chegar em 2025, ver o seu Raimundão, um ancião de 80 anos, levando essa luta ambiental para frente, levando a história de Chico, levando o legado de Chico. Ao lado da Angela e da Angélica, à frente dos seus filhos, isso foi um dos melhores momentos que marca a minha história, que marca a minha presença na Semana Chico Mendes".

Trilha é fruto da parceria com ICMBio na Semana Chico Mendes. Foto: Reprodução

Unhepa compreendeu que sua presença ali não era casualidade, mas a renovação de um pacto histórico:

"Eu acredito que eu não chego na Semana Chico Mendes por um acaso, mas é um chamado da floresta, um chamado da nossa ancestralidade, é um chamado do legado do Chico, para reafirmar esse compromisso perante a natureza, perante as águas, os rios, os encantamentos da mata, perante o planeta Terra, e para dar seguimento a esse legado".

Comunicação como defesa territorial

A cobertura colaborativa realizada pela RCIA durante a imersão rompeu com a lógica da mídia tradicional, que muitas vezes retrata a Amazônia como um cenário vazio ou apenas como fonte de recursos. 

A proposta foi produzir conteúdo a partir de pontos de vista próprios, disputando a narrativa de dentro do território. Não se tratou de falar sobre a floresta, mas de falar com a floresta.

Seu Raimundão recebeu os inscritos e contou histórias do tempo de Chico. Foto: Reprodução

Unhepa Nukini, refletiu sobre sua paternidade recente após a vivência, destacando que a sua presença ali era um ato de construção de futuro:

"Chegar ao meu curumim e defender a Floresta Amazônica para que ele possa ter no futuro a possibilidade de conhecer o Acre, de conhecer a Amazônia, de conhecer os biomas da Amazônia. [...] Eu estou trabalhando para que quando meu filho chegue, ele possa ter um espaço de liberdade, de oportunidade de falar, um espaço dentro da comunicação, onde ele possa defender esse território como o pai dele está defendendo".

A troca de saberes foi constante e politizada. A intenção da rede para os próximos anos é fortalecer o compromisso político, afastando-se de vaidades que enfraquecem o movimento. Ximery Apurinã foi enfático sobre o perfil que a comunicação indígena deve buscar para enfrentar os desafios atuais:

"Eu espero que para 2026 venha novos comunicadores, pessoas que queiram agregar na rede, que queiram construir essa caminhada junto. A gente quer buscar isso, a qualidade ali e não quantidade de pessoas que esteja envolvida com a luta, de pessoas que queira somar, de pessoas que sabe, sem ego".

O desafio da continuidade

A Resex Chico Mendes enfrenta hoje ameaças que ecoam os problemas de quarenta anos atrás. A pressão para a redução de seus limites, o roubo de madeira e a invasão de gado bovino desenham um cenário de conflito permanente. 

O desmatamento dentro da unidade atingiu níveis alarmantes nos últimos anos, colocando em xeque o modelo de conservação se não houver fiscalização e apoio real às cadeias produtivas da sociobiodiversidade. Ximery Apurinã resumiu o sentimento coletivo ao final da jornada, apontando que a experiência física no território se converteu em força política:

"Na Redex, eu sinto que eu recebi um combustível a mais, sabe, mais energia para lutar, mais energia, mais coragem. Uma energia muito forte, muito poderosa. De estar em contato com aquele território, com aquela história. Eu sinto essa energia de coragem, de continuar lutando, de continuar a fazer o que eu tô fazendo".

Ao final da jornada, o sentimento que prevaleceu não foi apenas o dever cumprido, mas o fortalecimento espiritual e político. Para Unhepa Nukini, a imersão na Reserva Extrativista funcionou como a confirmação de que a Aliança dos Povos da Floresta não é um capítulo encerrado nos livros de história:

"Eu saio com um sentimento mais fortalecido que Chico Mendes vive, que seu legado vive, que a nossa floresta vive e que essa aliança hoje, no presente, no futuro, ela vive ainda mais forte com essa juventude dos povos indígenas, dos povos extrativistas, dos povos quilombolas, porque a gente precisa dela viva, a gente precisa do legado do Chico e dos nossos lideranças vivos para que a gente consiga defender essa floresta".

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