O que a COP30 precisa ouvir da Amazônia? - entrevista com Anaís Cordeiro
Durante a conferência da ONU em Bonn, Cordeiro representou o Comitê Chico Mendes em doze agendas estratégicas
Anaís Cordeiro, gestora de projetos e pesquisadora acreana, embarcou rumo à Alemanha para representar o Comitê Chico Mendes na 13ª Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP), realizada durante a 62ª sessão da ONU sobre mudanças climáticas, a SB62. O evento, sediado em Bonn, reuniu representantes de todo o mundo para discutir os próximos passos da agenda climática.
Durante mais de duas semanas de agendas, Anaís se envolveu em doze espaços estratégicos dentro e fora da conferência, entre reuniões de briefing e debriefing, eventos paralelos (side events), encontros com coletivos internacionais e uma coletiva de imprensa. Um dos momentos foi a condução de um workshop sobre cultura e clima, promovido fora da conferência oficial, a convite do Entertainment and Culture Pavilion.
Natural de Rio Branco, Anaís Cordeiro é fundadora da Correnteza, mestra em Estudos Internacionais da Paz pela Universidade Soka (Japão) e bacharela em Comunicação pela Universidade Federal do Acre.
Você acompanhou bem de perto as negociações sobre Transição Justa. O que mais te chamou atenção nesse debate, principalmente na diferença de foco entre os países ricos e os países em desenvolvimento?
“O tema da Transição Justa é discutido na UNFCCC, que é a estrutura institucional da ONU responsável pelas mudanças climáticas, no âmbito do Programa de Trabalho para Transição Justa. Esse é o espaço formal dentro da Convenção do Clima que define como os países podem implementar uma transição para economias de baixas emissões de carbono, de uma forma que seja socialmente justa, principalmente para grupos vulneráveis. Inclusive, esse é o único item que traz uma menção tão clara a direitos humanos, justiça climática e direitos ambientais dentro das negociações climáticas.
Considerando que quase 200 países fazem parte dessa construção, há muitos contextos, visões de mundo, culturas — tudo muito diferente e, em certos aspectos, conflitante. Mas, apesar disso, os países estão lá, em um esforço de dialogar e buscar consensos. Nessa diversidade, percebe-se uma divergência nas agendas, e “união” por meio das atuações em blocos. Os países desenvolvidos direcionam as discussões para um foco na força de trabalho e no setor de energia, enquanto os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos trazem uma abordagem mais ampla, que envolve capacitação, financiamento, transferência de tecnologia e adaptação.
O que foi mais surpreendente para mim foi que, apesar das fortes divergências, o grupo de trabalho saiu com um texto consolidado. Esse texto ainda é uma nota informal, que não é perfeita nem tão ambiciosa quanto os nossos sonhos e os de Chico Mendes, que já falava de Justiça Climática e de ideias de Transição Justa antes mesmo de os termos serem “cunhados”. O texto possui também algumas partes com múltiplas opções de redação, que ainda precisarão ser negociadas na próxima rodada de negociações. Mas esse foi o maior avanço que tivemos nessa temática até o momento”.
Como foi acompanhar esse processo e como você vê esse tipo de negociação que acaba deixando várias opções em aberto no texto final?
“Confesso que fiquei a maior parte do tempo apreensiva e temerosa de que não saíssemos com um consenso entre as partes. No fim, os países acordaram manter três opções para o parágrafo 11g, desta carta de preposições. A primeira, mais completa e ambiciosa, explicita a transição para longe dos combustíveis fósseis. A segunda não menciona o abandono dos fósseis, mas mantém termos relacionados à Transição Justa, como “cozinha limpa” e “segurança energética”. A terceira opção é eliminar esse item por completo.
Até lá, as partes e os blocos, por meio de seus negociadores, precisarão promover diálogos para reforçar compromissos internacionais, destravar impasses e até gerar visibilidade e pressão política. Nesses dois últimos pontos, acredito que a sociedade civil tem um papel fundamental e estratégico. Assim como os países, precisamos cooperar e nos unir para pressionar pelo compromisso global com uma Transição Justa efetiva e equitativa”.
E olhando pra frente, pra COP30 que vai ser aqui na Amazônia, em Belém, o que você acha que a gente precisa fazer desde já pra garantir que os movimentos da floresta estejam de verdade no centro das decisões sobre essa tal Transição Justa?
“A nota informal aprovada pelos países na conferência de Bonn reconhece a importância da participação de diferentes grupos vulnerabilizados no processo, de forma a permitir caminhos de transição justos, eficazes, inclusivos e participativos. Dentre esses grupos, foram mencionados os povos indígenas, as comunidades locais (como se refere a agenda internacional às comunidades tradicionais), as mulheres, a juventude, os trabalhadores informais, as pessoas com deficiência, os imigrantes, entre outros. Essa menção já reflete a atuação e contribuição da sociedade civil. Mas é claro que temos um longo caminho pela frente.
Acredito que são as capacitações pensadas de baixo para cima que nos fornecem não somente estrutura técnica, mas também suporte socioemocional para atuar nesses espaços de poder e decisão. Esses espaços foram historicamente negados a nós, em especial a pessoas negras, indígenas, extrativistas, periféricas e amazônidas, que ainda são muito pouco representadas nesse processo, apesar do grande foco dado ao território amazônico.
Sinto que o fato de a COP30 acontecer no nosso território está nos fornecendo mais ferramentas para que não sejamos mais tutelados por ninguém, e para que possamos conduzir as nossas próprias narrativas, ideias e soluções climáticas. Mas esse é um processo que começa antes e perdurará mesmo após a conferência. Almejo que possamos construir redes de aprendizado mútuo e confiança para seguir lutando em prol do mesmo objetivo de construir sociedades socioambientalmente justas”.