Comitê Chico Mendes, Conselho Federal de Psicologia e NEPSE realizam ação pelo orgulho LGBTQIAPN+ na Resex

O encontro reforçou a importância do amor como base para a resistência. Fotos: Henrique de Almeida (SUBVERSO ✦ AC), Sâmila Marçal e Wender Galvão

No coração da Amazônia, comunidade da Resex Chico Mendes recebe profissionais da saúde mental protagonizando um encontro histórico no movimento socioambienta

Em alusão ao Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, um encontro tomou forma nos dias 28 e 29 de junho na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Seringal Dois Irmãos. Juventudes da floresta e das periferias urbanas de Rio Branco, no Acre, se reuniram com lideranças comunitárias, profissionais da psicologia e militantes socioambientais na ação “LGBTs em luta por justiça climática na Amazônia”. 

A atividade foi organizada pelo Comitê Chico Mendes, em parceria com o Conselho Federal de Psicologia (CFP), como parte dos Giros Decoloniais “Descolonizando corpos e territórios: reconstruindo existências brasis”. A presidenta do CFP, Alessandra Almeida, mulher baiana e psicóloga de trajetória engajada, compartilhou um depoimento emocionado sobre a experiência:

“Esse giro decolonial me trouxe a confirmação do quanto é importante que nós estejamos nos espaços com responsabilidade, com cuidado, com respeito e, sobretudo, saber ser regido pelas pessoas do lugar. A gente chega cheio de métodos, de teorias, mas o mais importante é ouvir a sabedoria do território, se permitir ser afetado por ela", declara.

Participantes compartilharam experiências e debateram a interseção entre a luta LGBTI e a justiça climática. Fotos: Henrique de Almeida (SUBVERSO ✦ AC), Sâmila Marçal e Wender Galvão

A juventude da floresta foi linha de frente na construção e vivência do encontro. Kailane Silva, de 19 anos, coordenadora do Núcleo de Base da Comunidade Dois Irmãos, integrante da Rede de Mulheres da Floresta e do Coletivo Varadouro, conta como a atividade ampliou horizontes:

“Foi uma experiência muito intensa, com muitas conexões reais. A gente entendeu qual é o papel da psicologia na luta socioambiental, e vimos que vai muito além do que imaginávamos. Foram muitas trocas que mudaram nossos pensamentos, que vão ficar com a gente pra vida", relata a jovem que esteve presente na Conferência de Bonn.

Protagonismo jovem e conexões que transformam

A sensibilidade compartilhada por Alessandra e Kailane ecoa também na fala da artista e produtora VandsMile, que esteve na coordenação da vivência com a comunidade de Dois Irmãos:

“Foi mais do que participar de um evento. Foi um encontro profundamente marcado pelo afeto. Foi bonito demais ver como a gente pode falar da luta LGBT por justiça climática na Amazônia dentro de um espaço de floresta, numa reserva, junto com as comunidades tradicionais. Ver também o pessoal da psicologia pensando junto com a gente sobre os desafios que enfrentamos, tanto dentro quanto fora da reserva", informou.

Kailane enfatiza que o encontro também foi um espaço de reafirmação da identidade e de luta coletiva:

“A gente entendeu o quanto é importante ter essas pessoas junto com a gente, construindo essa conexão e trazendo à tona tantos temas que precisamos debater. E que a gente precisa estar sempre juntos", aponta a entrevistada.

Sérgio Rios, integrante do NEPSE (Núcleo de Estudos, Extensão e Pesquisa Psicossocial Euclides Fernandes Távora) e estudante de psicologia, descreve a experiência como um marco em sua formação:

“Ganhei um novo gás para seguir na luta em defesa dos povos da floresta. Durante essa visita à Redex, pude conhecer de perto a trajetória dos moradores e moradoras de lá, o que me inspirou profundamente. Como estudante de psicologia, foi extremamente enriquecedor ter a oportunidade de conhecer os psicólogos e as psicólogas que atuam no CFP", ressalta o jovem.

No mesmo sentido, Vands destaca o impacto geracional e ancestral da atividade, que articulou saúde mental, território e espiritualidade como partes da mesma luta:

“Ouvindo as pessoas mais velhas, que continuam protegendo esses territórios com tanta sabedoria e sensibilidade, mesmo diante de tanta luta, porque a gente sabe que não é fácil. A gente percebe o quanto é forte a emoção deles ao falar desse lugar", comentou Vands.

Alianças que brotam do chão da floresta

A construção da parceria entre o Comitê Chico Mendes e o Conselho Federal de Psicologia se iniciou na Semana Chico Mendes de 2024 e seguiu crescendo com base na confiança e nos encontros. Rodrigo Paiva, responsável pela articulação, relembra esse caminho:

“A parceria começou quando a Angela Mendes convidou o CFP para a Semana Chico Mendes. Depois, nos reencontramos como delegados na Conferência Nacional do Meio Ambiente e ali firmamos essa aliança", destaca.

A ação reuniu pessoas de diferentes territórios, fortalecendo conexõesfeto. Fotos: Henrique de Almeida (SUBVERSO ✦ AC), Sâmila Marçal e Wender Galvão

Rodrigo reforça a importância de ter realizado a atividade no Seringal Dois Irmãos, em uma data tão simbólica:

Estar no Dia do Orgulho nesse território foi de uma potência imensa. Discutimos vivências LGBT+ dentro e fora do território, valorizando essas identidades e permitindo que essas pessoas fossem protagonistas", explicou.

Sérgio afirma que o que viveu em Dois Irmãos não está nos livros, mas é essencial para repensar a prática profissional:

“O que eu quero levar para a minha comunidade e para outros estudantes de psicologia são os aprendizados e a experiência vivida com as pessoas da Resex, que são verdadeiros defensores da floresta, do nosso território e eu diria, da Amazônia como um todo. Acredito que essa vivência fortalece o nosso compromisso com a comunidade e com a preservação da floresta", disse.

Foi destacada a inseparabilidade das lutas por justiça climática, saúde mental e proteção dos territórios tradicionais. Fotos: Henrique de Almeida (SUBVERSO ✦ AC), Sâmila Marçal e Wender Galvão

Caminhar junto, sonhar junto

Ao articular juventude, território, saúde mental e orgulho LGBTQIAPN+ em um mesmo espaço, a ação reafirma a potência da floresta como lugar de vida, afeto e transformação política.

Num país onde a psicologia historicamente se distanciou das margens, o que se construiu na Resex Chico Mendes mostra que é possível e necessário descolonizar os modos de estar, de cuidar e de resistir. Como lembra Vands, o momento vivido é também um chamado para o futuro:

“Acho que todo mundo saiu dali realmente nutrido. De ideias, de coragem, de muito afeto. E ficou claro pra gente que não dá pra separar as lutas. A luta das pessoas da floresta, dos povos tradicionais, a luta por justiça climática, por saúde mental... tudo isso caminha junto", menciona.

Depoimento de Alessandra Almeida. Créditos: Sâmila Marçal/Comitê Chico Mendes

Com o fortalecimento dessa conexão, Rodrigo reflete que o Comitê vislumbra novas possibilidades de ação conjunta:

“A expectativa é que essa parceria siga forte. Que o CFP reconheça nossos seringais como referência para ações futuras. Queremos vê-los presentes nas atividades fixas do Comitê e nas próximas edições da Semana Chico Mendes", alega.

Mais do que um evento, o encontro se constituiu como uma prática viva de escuta, cuidado e afirmação de identidades dissidentes no território, reafirmando que o enfrentamento da crise climática não pode estar dissociado da luta por dignidade, saúde mental e reconhecimento de todos os corpos. Para Alessandra, mais do que aplicar técnicas, é necessário transformar a escuta em uma ética profissional e política.

“Saio daqui esperançosa, cheia, movida, completamente tomada por esse sentimento de resistência e de comunidade. E, por que não dizer, pelo amor. Porque o amor, sem querer soar piegas, precisa ser a viga mestra de tudo o que a gente faz. Tem um poeta, que agora não lembro o nome, que disse que o amor é revolucionário. E é desse amor localizado que eu tô falando", conclui.

Sobre o Comitê Chico Mendes:

Criado em 1988 por militantes, familiares e organizações da sociedade civil na noite do assassinato do líder seringueiro e sindicalista Chico Mendes, o Comitê Chico Mendes surgiu como guardião de seus ideais e legado. Até 2021, atuou como um movimento social, promovendo a Semana Chico Mendes e o Festival Jovens do Futuro. 

Diante do desmonte da Política Nacional de Meio Ambiente, que afetou violentamente os territórios e suas populações, especialmente as Reservas Extrativistas, decidiu dar um passo estratégico para fortalecer sua atuação em prol do bem-estar social, ambiental, cultural e econômico das comunidades tradicionais. 

Em maio de 2021, após um amplo processo de escuta e diálogo entre membros e parceiros, optou-se pela institucionalização do Comitê Chico Mendes. A decisão representou um marco na trajetória da organização, permitindo a implementação de projetos estruturados sem abrir mão da essência de resistência, expressa nas Semanas Chico Mendes, realizadas desde 1989, e no Festival Jovens do Futuro, promovido a partir de 2020.

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